Monday, November 10, 2008

Bom senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém

Bom senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém
Autor: Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da GS&MD
Data: 10/11/2008
Toda a discussão que se tem travado sobre os impactos do quadro econômico-financeiro global no mercado brasileiro tem sido feita com uma mescla de realismo e paixão, não necessariamente na mesma proporção, que compromete sua isenção, quando não contribui para agravar o que é inevitável.Pelo constante monitoramento que a nossa atividade profissional exige, pode-se notar uma elevada dose de preocupação, muitas vezes mesclada com desinformação, que acaba suscitando movimentos defensivos extremados, cuja maior virtude é precipitar conseqüências que de outra forma poderiam ser evitadas.No popular, definitivamente não valem as expressões “muita calma nesta hora” ou “senta que o leão é manso”, já que, em nenhuma hipótese, pode-se admitir um comportamento que possa ser confundido com inanição ou isolamento.O mundo funciona de acordo com a lei dos vasos comunicantes e os reflexos, em maior ou menor escala e profundidade, se farão sentir. Mas a desinformação pode ser fatal.A primeira e importante constatação é que até o momento, ou seja, início de novembro de 2008, como se previa, não se notaram quedas significativas nas vendas no varejo brasileiro de forma generalizada.Aspecto fundamental é entendermos que, neste conceito mais amplo, falamos do país como um todo, sendo porém claro que em determinadas regiões e segmentos existem comportamentos mais cautelosos, em especial no que envolve os segmentos de classe mais alta, os mercados mais afluentes e as regiões com forte ênfase no setor financeiro, em especial áreas específicas nas grandes capitais.Esse comportamento estável do consumo no país é verdadeiro para os setores de alimentação, vestuário, calçados, móveis e eletrodomésticos, artigos para o lar, material de construção e decoração. Por ações isoladas de alguns varejistas, por necessidade ou cautela, alterando suas políticas de crédito ou financiamento das vendas, quando outros o fazem de forma menos agressiva, existem reduções no comportamento das vendas, mas de forma pontual.O setor no qual o impacto teria sido maior, considerando as estatísticas produzidas pelas próprias entidades, é o automobilístico, que, por significar em toda sua cadeia pouco mais de 20% do PIB, e com competente capacidade de se fazer ouvido, ecoa e amplifica suas dificuldades. Esse segmento vinha com patamares de expansão de vendas, segundo os dados do IBGE, próximos a 30% e o baque na mudança de comportamento é de fato significativo, pois 70% das vendas eram financiadas em prazos que chegaram a assustar pela ousadia.Um setor que pretendia vender um recorde histórico de 3,4 milhões de veículos em 2008 não deverá alcançar o que previa e nesse momento informa um estoque acumulado de 300 mil unidades, um pouco menos de 10% da provável venda total do ano.É importante reconhecer a importância dos 121 mil funcionários das montadoras e seu papel na balança comercial, graças às suas exportações, que serão mais fortemente afetadas pela retração externa, mas sua inegável capacidade mobilizadora já conseguiu R$ 4 bilhões de empréstimos via Banco do Brasil.É fundamental, porém, lembrar que a soma dos empregos diretos de apenas dois varejistas, Grupo Pão de Açúcar e Casas Bahia, é equivalente a todo o emprego da indústria automobilística. E nem por isso abriram-se discussões para encontrar caminhos que mantenham os empregos, aspecto crítico na manutenção do consumo interno, em todos os segmentos do varejo.Existe um claro sentimento de que o consumo e as vendas deverão ser impactados de forma geral a partir do começo do próximo ano, mais diretamente nos setores mais dependentes do crédito, nos quais a conjugação de condições mais cautelosas no prazo, na concessão e nas taxas praticadas deverá ser ampliada pela redução do índice de confiança do consumidor, que, até o momento, mostrou essa tendência apenas junto aos segmentos de maior poder aquisitivo. À medida que ações de cautela, retração, ajustes e outras formas de prevenção, adequadas ou exageradas, sejam adotadas, haverá um comportamento mais refratário do consumidor nas compras, em especial as que envolvem prazos mais longos e bens de maior valor.É por conta do correto ajuste das medidas de adequação ao novo quadro que se poderá precipitar, ampliar, reduzir ou minimizar o impacto no consumo e nas vendas no mercado interno, onde se pode de alguma maneira interferir, uma vez que o cenário externo é totalmente fora de controle.Daí decorre a relevância do bom senso, do equilíbrio, da informação correta e crível, das análises isentas e das projeções bem embasadas para não reverberar o comportamento mais pessimista, quase paranóico, de alguns empresários e executivos.Com a preocupação de não parecerem mal informados, tendem a amplificar o que é pior, comportamento também compartilhado por alguns veículos de comunicação, dando um tiro no próprio pé, criando a profecia auto-realizável.Não é simples, neste momento, nadar contra a maré, contra a voz comum dos profetas do apocalipse. Mas é essencial que assim seja.Na prática, o mercado interno ainda está sob controle, mas deverá ter alguma redução nos seus níveis de crescimento à frente. O mercado externo terá tempos muito difíceis por conta da grande retração em economias mais maduras, com óbvias conseqüências na massa salarial interna.Mas é preciso muito bom senso para não potencializar o problema, transformando-o num drama sem solução. E é preciso um pensar maior e mais responsável sobre o que se fala, escreve, ecoa e repercute.Não é hora de brincar com o pessimismo.

(posted by Katya Hochleitner)

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