Tuesday, October 14, 2008

Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe

Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe
Autor: Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da GS&MD
Data: 13/10/2008
O dito popular encerra de forma simples e direta o que os modelos estatísticos e toda a parafernália metodológica dedicada à previsão de cenários reconhece: a períodos de intensa expansão seguem-se épocas de acomodação, que podem trazer consigo perdas e reposicionamentos.Tudo acaba sendo retratado no conceito de ciclos econômicos de maior euforia e crescimento, seguido de outros em que o básico e fundamental volta a ser dominante.Eis a provável mega-síntese do quadro atual.O mundo viveu uma fase eufórica de expansão de negócios alimentada por uma bolha especulativa envolvendo o mercado imobiliário norte-americano, que se alimentou de sua própria ilusão para criar um sonho maior. E quando as bases desse modelo ameaçaram ruir, desabou tudo que estava apoiado em expectativas e crenças muito acima do que o bom senso recomendaria sustentar.E a economia, o mercado, as Bolsas, o crédito e o setor financeiro vão agora purgar o sonho descolado do mundo real que enriqueceu muitos, fez imensos recursos mudarem de mãos, colocou riqueza desmesurada na mão dos mais ambiciosos e destemidos e agora vai tentar depurar o que era real, o que era truque, o que era ilusão, o que esperteza, o que era possível, o que tangível, o que era possível.Será um daqueles períodos típicos de ressaca. Cheio de promessas enquanto a dor não passa. Repleto de compromissos assumidos pelo longo prazo de cautela, cuidado e provação que, passado o período de pior provação, serão esquecidos. Talvez com novos protagonistas, pois o mercado costuma expulsar os piores atores.O tempo da ressaca ninguém consegue estimar com certeza.Nos países mais desenvolvidos já começou e as conseqüências são dramáticas: retração de consumo, cautela, postergação de desejos, racionalização. O resultado já pode ser sentido no comportamento das vendas nas mesmas lojas, que, nos Estados Unidos, é próximo a zero ou negativo. O mesmo vem sendo sinalizado na Alemanha, Japão, Inglaterra, França e Espanha.Necessariamente não pelas mesmas causas, nem na mesma intensidade, mas os mercados mais desenvolvidos são e serão mais fortemente impactados pelo terrível gosto de ressaca, que pode se prorrogar por todo o ano de 2009 e, talvez, ainda, parte de 2010. E ninguém pode neste momento estimar o tamanho do buraco.Nos países emergentes há um quadro significativamente diferente. Afetado de forma indireta pelo descontrole financeiro, o reposicionamento econômico mundial fará retrair a demanda pelos produtos exportados por esses mercados, aliado à retração e ao encarecimento mundial do crédito, complementado pela exponenciação da aversão ao risco. Mas esses países continuarão crescendo e puxando para cima a média global.No Brasil, o ano de 2008 já está encaminhado. Consumo e varejo crescerão e puxarão a expansão do PIB neste final de ano, pois as bases desse comportamento já estão lançadas com o crescimento da renda, o baixo desemprego, a confiança abalada (mas não totalmente retraída) e a menor oferta de crédito. O que permitirá fechar o ano com expansão no varejo abaixo dos 10,6% do primeiro semestre ou dos 9,4% de todo o ano passado, mas ainda assim acima do PIB: entre 7,5% e 8,5%.As dúvidas todas ficam para 2009, dependendo da retração global e da capacidade das empresas reagirem com inovações, com o "back to basics" e com a busca incessante por alternativas para reverter o cenário.Tudo leva a crer que o consumo interno deverá continuar puxando o crescimento do PIB e o varejo terá o mesmo comportamento, inferior ao que haverá neste ano, mas significativamente superior à média mundial.Se não é o que se planejou, é muito melhor do que se imaginou quando o vento mudou de direção e o pianista do Titanic apregoava o distanciamento do Brasil do núcleo do problema.Ao menos nos demos conta de que mudou, e mudou para pior, e agora é tempo de um balanço sensato e maduro e de tocar a bola para frente, pois não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe.

Katya Hochleitner

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